sexta-feira, 13 de março de 2009


Durante muito tempo, incessantemente, procurei o gosto, o verde em seus vários tons, o cheiro, a calda - com sua fluidez viscosa - do doce de laranja da minha infância. Em viagens, as mais diversas, em restaurantes, os mais díspares, em casas de conhecidos e amigos, sempre que a ocasião surgia, eu os buscava.
Até que um dia, anos atrás, uma amiga me apresentou e me fez provar a Omelete de amoras, de Benjamin. Agradecida, pude, então, descansar.



Omelete de Amoras

Esta velha história, conto-a àqueles que agora gostariam de experimentar figos ou Falerno, o borscht ou uma comida camponesa de Capri. Era uma vez um rei que chamava de seu todo poder e todos os tesouros da Terra, mas, apesar disso, não se sentia feliz e se tornava mais melancólico de ano a ano. Então, um dia, mandou chamar seu cozinheiro particular e lhe disse: "Por muito tempo tens trabalhado para mim com fidelidade e tens me servido à mesa os pratos mais esplêndidos, e tenho por ti afeição. Porém, desejo agora uma última prova de teu talento. Deves me fazer uma omelete de amoras tal qual saboreei há cinqüenta anos, em minha mais tenra infância. Naquela época meu pai travava guerra contra seu perverso vizinho a oriente. Este acabou vencendo e tivemos de fugir. E fugimos então, noite e dia, meu pai e eu, até chegarmos a uma floresta escura. Nela vagamos e estávamos quase a morrer de fome e fadiga quando, por fim, topamos com uma choupana. Ali morava uma vovozinha que amigavelmente nos convidou a descansar, tendo ela própria, porém, ido se ocupar do fogão, e não muito tempo depois estava à nossa frente a omelete de amoras. Mal tinha levado à boca o primeiro bocado, senti-me maravilhosamente consolado, e uma nova esperança entrou em meu coração. Naqueles dias eu era muito criança e por muito tempo não tornei a pensar no benefício daquela comida deliciosa. Quando mais tarde mandei procurá-la por todo o reino, não se achou nem a velha nem qualquer outra pessoa que soubesse preparar a omelete de amoras. Se cumprires agora este meu último desejo, farei de ti meu genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me contentares, então deverás morrer." Então o cozinheiro disse: "Majestade, podeis chamar logo o carrasco. Pois, na verdade, conheço o segredo da omelete de amoras e todos os ingredientes, desde o trivial agrião até o nobre tomilho. Sem dúvida, conheço o verso que se deve recitar ao bater os ovos e sei que o batedor feito de madeira de buxo deve ser sempre girado para a direita de modo que não nos tire, por fim, a recompensa de todo o esforço. Contudo, ó rei, terei de morrer. Pois, apesar disso, minha omelete não vos agradará ao paladar. Pois como haveria eu de temperá-la com tudo aquilo que, naquela época, nela desfrutastes: o perigo da batalha e a vigilância do perseguido, o calor do fogo e a doçura do descanso, o presente exótico e o futuro obscuro." Assim falou o cozinheiro. O rei, porém, calou um momento e não muito tempo depois deve tê-lo destituído de seu serviço, rico e carregado de presentes.



Walter Benjamin, em Imagens do Pensamento, Rua de mão única, Obras escolhidas II. Ed. Brasiliense, 1987

Imagem: Gustave Doré

4 comentários:

airton ribeiro disse...

Vendo a ilustração do Gustave Doré, lembrei de Eros e Psique, do Fernando Pessoa. Tem tudo a ver. Taí um poema que merece entrar no seu blog, ao lado de tanta coisa bonita.
Beijos,
Airton

Ana disse...

Boa idéia, Eros e Psique em breve. Dedicado a você, claro. E fui ver o Goya, o original, no Prado. Sim, caro amigo e ilustre passageiro, você está certo. O corte está péssimo, altera tudo. Imperdoável nele e no seu. Errei, errei, sim.
Beijo, Anaelena

airton ribeiro disse...

Errou, sim. Mas não manchou o meu nome. Nem o do Goya. Ainda bem que você não é Dalva nem sou Erivelto.
Beijos,
Airton

Teresa e Sérgio Lima disse...

Comadre,
Faz tempo que eu não aprecio morangos.
Entrei hoje, solitário na Canta. Está lindo!
Saudades.
SL.